Quem recebe diagnóstico de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade) muitas vezes pergunta: tenho direito ao BPC/LOAS? A resposta curta é: pode ter, desde que duas condições sejam comprovadas ao mesmo tempo:
- Deficiência: um impedimento de longo prazo de natureza mental/intelectual que, em interação com barreiras, obstrua a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas — definição legal do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015).
- Baixa renda familiar: regra geral, renda per capita do grupo familiar igual ou inferior a 1/4 do salário mínimo, com possibilidade de flexibilização (inclusive até 1/2 salário em hipóteses previstas na Lei 14.176/2021) mediante avaliação social e comprovação de gastos e barreiras.
Importante: diagnóstico (CID) por si só não garante o benefício. Os tribunais têm reiterado que o ponto decisivo é o impacto funcional do TDAH na vida diária/escolar/laboral somado à condição socioeconômica.
Requisitos legais do BPC aplicados ao TDAH
Deficiência (impedimento de longo prazo)
- A Lei 13.146/2015 define pessoa com deficiência pelo modelo biopsicossocial (não é só a doença, mas o efeito dela com as barreiras do meio). Para BPC, essa avaliação é feita por equipe multiprofissional e interdisciplinar.
- No TDAH, o foco é provar dano funcional persistente (geralmente > 2 anos) apesar de tratamento adequado, com restrições importantes para autonomia, aprendizagem e/ou aptidão ao trabalho.
Critério de renda
- Regra geral: renda familiar per capita ≤ 1/4 do salário mínimo. O STF também reconhece que não é um critério absoluto; outros elementos de vulnerabilidade podem ser considerados (medicamentos, terapias, transporte, fraldas, necessidade de cuidador etc.).
- Lei 14.176/2021: permite ampliar a análise até 1/2 salário mínimo per capita em situações específicas, com base em grau da deficiência, dependência de terceiros, comprometimento do orçamento familiar e outras variáveis.
Cadastro Único e via de pedido
- É necessário Cadastro Único atualizado e abertura do pedido via INSS (Meu INSS, 135 ou presencial). O processo passa por perícia médica e avaliação social, que, somadas, compõem a avaliação biopsicossocial — hoje em implantação contínua pelo MDS/MS.
Documentos que realmente ajudam (foco em provas funcionais)
Para BPC em TDAH, qualidade da prova é determinante. Reúna:
Documentos médicos
- Laudos de psiquiatra/neuropediatra/neurologista com: diagnóstico (CID F90.x), histórico de início e evolução, tratamentos tentados (medicação/psicoeducação/terapias), aderência e resposta, efeitos adversos, e, principalmente, descrição objetiva das limitações (atenção, impulsividade, hiperatividade, função executiva, autorregulação).
- Relatórios de psicologia/neuropsicologia com testes padronizados (ex.: WISC/WAIS, CPT, escalas de atenção/função executiva), comparando o desempenho com pares de mesma idade e explicitando repercussão funcional.
- Prontuário/receitas que demonstrem tratamento contínuo e custos mensais.
Provas escolares e de vida diária (crianças/adolescentes)
- Histórico escolar: relatórios pedagógicos, PARECERES de professores, planos de ensino individualizado, registros de adaptação curricular, repetências, faltas justificadas por atendimento terapêutico.
- Declarações da escola sobre necessidade de mediador/cuidador ou sobre conduta heteroagressiva/autoagressiva que inviabilize a permanência sem apoio.
- Diário de rotina dos responsáveis descrevendo supervisão constante, riscos e grau de dependência.
Provas para adultos
- Atestados de empregadores sobre baixa produtividade, advertências, demissões frequentes, incapacidade de manter tarefas complexas, acidentes relacionados à desatenção/impulsividade.
- Tentativas de recolocação sem êxito (currículos, convocações, negativas).
- Relatórios de terapeutas ocupacionais sobre necessidade de apoio para atividades da vida diária (organização, finanças, transporte, medicação).
Provas econômicas
- Comprovantes de renda de todos do grupo familiar.
- Despesas de saúde (medicamentos, terapias, transporte, consultas), laudo de necessidade de cuidador e gastos fixos (aluguel, água, luz). Esses itens podem reduzir a renda disponível na análise social, especialmente após a Lei 14.176/2021.
Dica prática: transforme tudo em linha do tempo (quando começaram os sintomas, diagnóstico, terapias, reprovações/demissões, pioras e custos). Avaliadores valorizam coerência temporal.
Estratégias quando o diagnóstico existe, mas a limitação “não aparece
É comum o perito ouvir “com remédio ele melhora”. Mostre por escrito que, mesmo com tratamento adequado, persistem barreiras:
- Peça ao médico que descreva o que acontece sem o medicamento e o que ainda acontece com ele (ex.: precisa de supervisão em tempo integral; não consegue planejar/seguir rotinas; desorganização grave).
- Documente eventos críticos: incidentes de risco, agressividade, evasão escolar, perdas financeiras, multas/acidentes, abandono de tratamentos por falta de dinheiro.
- Para crianças, evidencie necessidade de apoio escolar e sobrecarga familiar (declarações de cuidadores, assistente social, CRAS).
- Se faltar documento, solicite ao serviço público (UBS, CAPSij/CAPS, escola) declarações padronizadas: elas têm forte peso social.
Jurisprudência e entendimentos úteis
- Diagnóstico isolado não basta: o TRF3 negou BPC em caso de TDAH quando os relatórios apontaram capacidade preservada para a vida e o trabalho. A Corte registrou que a mera existência do transtorno não implica impedimento de longo prazo sem prova funcional robusta.
- Critério de renda pode ser relativizado: o STF reconheceu a possibilidade de flexibilização do limite de 1/4 do salário mínimo, permitindo considerar despesas e vulnerabilidades no conjunto da prova.
- Marco legal da deficiência: a avaliação é biopsicossocial, por equipe multiprofissional, nos termos do Estatuto da Pessoa com Deficiência — fundamento que ampara o reconhecimento do TDAH como deficiência quando houver barreiras relevantes e duradouras.
- Atualizações da reavaliação biopsicossocial: o MDS vem normatizando a operacionalização e a reavaliação do BPC, reforçando o olhar biopsicossocial e o papel da rede socioassistencial (CRAS/CAPS/UBS). Blog Rede SUAS
Leitura da realidade dos tribunais: há concessões e negativas. O ponto de virada é sempre a comprovação do impacto funcional + vulnerabilidade econômica com documentos consistentes. Decisões recentes mostram que, quando relatórios de escola, terapias e médicos convergem para grave limitação, a chance aumenta. Quando o conjunto indica boa adaptação com tratamento e sem barreiras relevantes, a tendência é indeferir.
Passo a passo para pedir o BPC por TDAH
- Atualize o Cadastro Único (CRAS do seu município).
- Organize o dossiê (ver checklist abaixo) e protocole no Meu INSS (ou 135).
- Compareça à perícia médica e à avaliação social. Leve originais e cópias, resuma em 1–2 páginas os pontos críticos e entregue aos avaliadores.
- Se indeferir, recurso administrativo no INSS. Se mantido, ação judicial com pedido de perícia judicial (médica e social). Use os mesmos documentos e, se possível, relatórios atualizados.
Checklist de documentos (imprima e marque)
- Documentos pessoais: RG/CPF do requerente e familiares; comprovante de residência.
- Cadastro Único atualizado.
- Laudo médico especializado (psiquiatra/neuropediatra/neurologista), recente (≤ 6 meses), com diagnóstico + histórico + tratamento + limitações funcionais.
- Relatório psicológico/neuropsicológico com testes e descrição do impacto.
- Relatório de terapia ocupacional (autonomia/vida diária).
- Escola (se criança/adolescente): histórico, parecer pedagógico, plano de apoio, registros de dificuldades, faltas, reprovações.
- Trabalho (se adulto): atestados de empregadores, advertências, rescisões, CAT/acidentes, tentativas frustradas de emprego.
- Rede pública: declarações de CRAS, UBS, CAPS/CAPSij sobre acompanhamento, visitas domiciliares, necessidade de cuidador.
- Comprovação de renda de todos do grupo familiar.
- Despesas de saúde: receitas, notas fiscais, relatórios que justifiquem gastos fixos (medicação, terapias, transporte).
- Outros: fotos, vídeos curtos (se admitidos), diário da rotina, linha do tempo dos eventos.
Erros comuns (e como evitar)
- Só anexar o CID: sempre inclua descrição funcional e testes.
- Laudos sem data/sem assinatura/sem CRM: podem ser desconsiderados.
- Não mostrar custos: sem recibos, a vulnerabilidade fica invisível.
- Relatórios genéricos (“tem TDAH”): peça linguagem concreta (“necessita supervisão contínua para higiene/medicação; risco de se perder; não consegue concluir tarefas simples sem apoio”).
- Ir à perícia sem organização: leve cópia em ordem e resumo; isso ajuda muito.
Em resumo, BPC para quem tem TDAH é possível, mas depende de duas chaves: (1) demonstrar impedimento de longo prazo com provas funcionais robustas e (2) comprovar vulnerabilidade econômica do grupo familiar, inclusive com gastos de saúde que impactem o orçamento. Com um dossiê bem montado e a narrativa coerente dos fatos, suas chances aumentam muito — tanto na via administrativa quanto na judicial.
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