Emanuely Cardoso – Advocacia

Demissão por justa causa: em quais situações realmente se aplica?

Demissão por justa causa

A demissão por justa causa é a sanção mais grave que o empregador pode impor ao empregado: rompe imediatamente o contrato de trabalho e retira do trabalhador direitos rescisórios importantes (aviso, 13º proporcional, férias proporcionais, saque da multa do FGTS e seguro-desemprego). Por esse motivo, a legislação e a jurisprudência exigem cautela rigorosa do empregador ao adotá-la. Neste artigo explico, de forma prática e com base legal e jurisprudencial, quando a justa causa se aplica, quais requisitos devem ser observados, erros comuns que levam à sua reversão na Justiça do Trabalho e orientações tanto para empregadores quanto para trabalhadores.

O que diz a lei: base normativa

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) enumera, no art. 482, as hipóteses em que “constitui justa causa” para o empregador rescindir o contrato. São elas — entre outras — ato de improbidade; desídia; incontinência de conduta; embriaguez habitual ou em serviço; violação de segredo; indisciplina/insubordinação; abandono de emprego; ato lesivo da honra; prática de jogos de azar; e perda de habilitação exigida por lei. A redação completa e oficial está na CLT.

Complementarmente, o ônus da prova no processo trabalhista segue o art. 818 da CLT: o trabalhador deve provar os fatos constitutivos de seu direito, e o empregador, a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do empregado — isto é, cabe ao empregador comprovar a falta grave que alega. O juiz pode, contudo, redistribuir o ônus da prova em situações excepcionais (por exemplo, quando a prova do fato contrário está apenas na posse do empregador).

Principais hipóteses (art. 482) — o que significam na prática

Aponto abaixo as hipóteses mais recorrentes previstas no art. 482, com explicação prática e exemplos:

  • Ato de improbidade (alínea a): condutas desonestas — furto, fraude, apropriação indevida, falsificação de documentos, entre outras. Exige prova robusta (ex.: imagem de vídeo, auditoria, inquérito administrativo).
  • Incontinência de conduta ou mau procedimento (b): comportamento sexual indevido no ambiente de trabalho ou condutas que violem normas de convivência. Analisa-se o contexto e a gravidade.
  • Negociação habitual em concorrência (c): exercer atividade concorrente que prejudique o serviço. Deve haver habitualidade e prejuízo objetivo.
  • Condenação criminal com trânsito em julgado (d): quando houver condenação que impeça o exercício do trabalho e não houve suspensão da execução da pena.
  • Desídia no desempenho (e): negligência repetida — atrasos frequentes, inatividade, negligência na função. A desídia costuma exigir prova de reiteradas faltas e registros disciplinares.
  • Embriaguez habitual ou em serviço (f): consumo de álcool que comprometa as funções (comprovação por exame, testemunhas, ocorrência em serviço).
  • Violação de segredo da empresa (g): revelar informações confidenciais que causem dano.
  • Indisciplina ou insubordinação (h): recusa injustificada a cumprir ordens lícitas e hierarquia. Deve haver registro do comando e da recusa.
  • Abandono de emprego (i): ausência injustificada por longo período com indício de abandono — aqui exige prova do despedimento de fato (ex.: não retorno ao trabalho por X dias e conduta de vida incompatível).

Obs.: a letra e outras alíneas têm extensão prática diversa; cada caso demanda prova e análise de proporcionalidade.

Requisitos essenciais para aplicação válida da justa causa

A simples ocorrência de um dos fatos do art. 482 não basta. A jurisprudência e a doutrina exigem, geralmente, quatro requisitos fundamentais:

  1. Prova cabal da falta — o empregador tem o ônus de demonstrar o fato grave (documentos, imagens, laudos, inquérito interno, testemunhas). Sem prova consistente, a justa causa é frequentemente revertida.
  2. Imediatidade — a sanção deve ser aplicada logo após a constatação da falta. Demora injustificada pode configurar perda do direito de punir e ensejar reversão. Tribunais reforçam esse princípio.
  3. Proporcionalidade (graduação da pena) — salvo faltas de extrema gravidade, espera-se gradação das punições (advertência, suspensão, depois demissão), observando-se o histórico funcional do empregado. Em alguns casos muito graves (ato de improbidade comprovado, agressão física, furto), a gradação pode ser dispensada.
  4. Observância do contraditório e da apuração — instauração de procedimento administrativo ou registro formal com possibilidade de defesa aumenta a validade da medida. Decisões sem apuração probatória costumam ser anuladas.

Erros frequentes do empregador que levam à reversão judicial

  • ausência de prova documental ou pericial;
  • demora excessiva entre o fato e a punição (ferindo a imediatidade);
  • aplicação de justa causa por infração de baixa gravidade sem advertências anteriores;
  • ausência de processo administrativo, de oportunidade de defesa ou de provas robustas;
  • uso de provas obtidas ilicitamente (vídeos sem autorização, gravações proibidas) — que podem ser desconsideradas.
    A soma dessas falhas é motivo recorrente de conversão da justa causa em dispensa sem justa causa pelos tribunais. Exemplos recentes mostram que bancos e grandes empresas tiveram sua justa causa revertida por insuficiência probatória.

Consequências práticas da reversão da justa causa

Quando a Justiça reconhece que a justa causa foi indevida, as consequências costumam ser: conversão da dispensa em sem justa causa (pagamento das verbas rescisórias completas), eventual reintegração (quando cabível) e condenação ao pagamento de salários e demais parcelas desde a dispensa até a reintegração ou julgamento, além da multa do art. 477 da CLT quando as verbas não foram pagas corretamente. Há decisões de Turmas do TST que determinam reintegração ou pagamento das diferenças salariais.

O que fazer: orientações práticas

Para empregadores

  • Proceder apuração imediata: instaure procedimento administrativo documentado; colha depoimentos; preserve provas (relatórios, imagens, mensagens, perícias).
  • Aplicar gradação quando adequado: advertências e suspensões documentadas reduzem risco de reversão.
  • Respeitar o contraditório: permita defesa escrita e audiência.
  • Assessorar RH e jurídico: antes de rescindir por justa causa, consultar jurídico evita decisões precipitadas.
    Seguir essas medidas amplia a chance de a justa causa resistir a eventual questionamento judicial.

Para trabalhadores

  • Reúna provas de inocência: registros de ponto, mensagens, testemunhas, laudos médicos (se aplicável).
  • Apresente defesa escrita no procedimento administrativo e guarde cópias de tudo.
  • Procure advogado trabalhista rapidamente: há prazos e medidas urgentes (ex.: pedido de reintegração).
  • Não assine distrato ou recibos sem orientação quando houver controvérsia sobre a justa causa.
    A atuação rápida e técnica aumenta as chances de reversão da penalidade quando indevida.

Jurisprudência ilustrativa (breve)

  • Reversão por falta de prova: casos julgados pelo TST e TRT têm anulado justa causa quando o empregador não comprovou o alegado ato de improbidade ou delay na punição foi constatado. Recentes decisões públicas do TST reforçam a necessidade de prova robusta e imediatidade.
  • Desnecessidade de gradação em falta gravíssima: há precedentes reconhecendo que, quando a falta é manifesta e gravíssima (p.ex. ato de improbidade comprovado), não se exige advertência prévia. Contudo, isso depende estritamente da prova do ato.

Checklist rápido para quem vai decidir ou contestar uma justa causa

  • Houve prova documental, pericial ou testemunhal robusta?
  • A punição foi aplicada com imediatidade?
  • Existiam advertências ou suspensões anteriores (histórico disciplinar)?
  • Foi garantido o contraditório ao empregado (oportunidade de defesa)?
  • As provas foram obtidas de forma lícita? (provas ilícitas podem ser desconsideradas).

Para mais dúvidas entre em contato com nossa equipe e fale com um advogado especializado. Para mais artigos como esse, clique aqui.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *